JORNALISMO SENTIMENTAL E O POSSÍVEL ATO DE CENSURA DO ESTADÃO (por Mariana Melleu)

Na quarta-feira, 6 de outubro, a psicanalista Maria Rita Kehl, colunista do Caderno 2”, do Estadão, foi demitida do jornal após publicar o artigo intitulado Dois pesos”, no qual abordou pontos positivos sobre a atual gestão política do país, destacando em especial as melhorias de vida que o Bolsa-família trouxe à população. Em entrevista à revista eletrônica Terra Magazine, a escritora afirmou que o motivo de sua demissão foi o que O Estado de São Paulo considerou um delito de opinião” em relação à linha editorial do jornal, o que, para ela, não deixa de ser uma forma de autoritarismo e de censura.

Falar de censura na imprensa requer falar da inexistência de um jornalismo imparcial e da existência de profissionais seres humanos, da existência de sentimentos que nos seguem a qualquer lugar, em qualquer momento. É óbvia a presença das sondagens de opinião”, como diz Marilena Chaui, pois não vamos mais ao encontro de um jornalismo de expressão pública racional e livre de interesses, mas, sim, procuramos a forma de jornalismo mais limítrofe com as sensações, com o feeling, com o não-pensado e com as emoções. No espaço em que o jornalista deve honrar o valor do público e abrir mão do privado, dá-se, ironicamente, uma manifestação pública de seus sentimentos individuais, na qual acontecimentos diversos acabam ganhando uma dimensão simplesmente doméstica. E a censura muito tem a ver com isso, uma vez que é definida ora por esse, ora por aquele interesse. Como medir, pois, o ato do Estadão? Errada está a escritora, que sabia da linha editorial do jornal, ou errado está o jornal, por não permitir a pluralidade da opinião? A resposta passa por dois pontos: o primeiro é que é preciso considerar a subjetividade inerente à opinião e o segundo é que é preciso considerar a sua conveniência – é difícil de acreditar que Maria Rita houvesse sido demitida, caso abordasse a matéria sob o ponto de vista político do jornal. Bem sabemos da discordância consentida que há nas redações dos jornais brasileiros, mas o que condiciona um veículo a determinar que é possível que o jornalista escreva a favor do aborto, mas contra um time de futebol? Mais ainda, estão corretos tais tipos de condições, está correto tal tipo de mediação, está correto um veículo de comunicação servir ao partidarismo? Se o Estadão diz, de acordo com seu Manual de Redação e de conduta profissional, servir ao meio social como um instrumento de divulgação da informação, pode ele exprimir interesses particulares ou privados, mesmo que isso possa impor limitações e complicações à liberdade de expressão?

As condutas orwellianas nos são expostas diariamente, ante nossos olhos e ouvidos. Isso não ocorre apenas quando somos consumidores de uma informação, fadada a viver como mercadoria, mas também de forma aterrorizante quando nos faz protagonistas daquilo que o jornalista formador de opinião cita e narra e que não tem mais a ver com o fato em si. Ao ouvinte, ao leitor e ao telespectador restam, assim, o jornalismo sentimental, que carrega manchetes sobre a emoção pessoal e colunas de opinião mediocremente disfarçadas de informação imparcial. Resta a opinião, muitas vezes vazia, que é emitida de um lugar ao outro, visando um interesse ou outro.

Cada vez mais haverá a discussão em volta da censura de imprensa e em volta do papel do bom jornalista, também devido ao desenvolvimento da web, que traz junto a facilidade de acesso às notícias instantâneas e, ao mesmo tempo, a carência de um controle efetivo da informação. Portanto, há chance de revitalização para o jornalismo, quando são alargados os limites entre fato e opinião, em um tempo em que, mais ainda, são relativizados valores éticos e profissionais? Difícil responder. Mas uma maneira de minimizar a falta de autocontrole do profissional – ou, ainda, uma maneira de minimizar o sentimento – é a definição, desde que respeitada impreterivelmente, dos espaços dedicados à opinião e à informação. Ao jornalista de opinião o que é do jornalismo de opinião – e que assim seja.

Sobre Jornalismo freestyle

Blog de jornalismo online desenvolvido pelas alunas Bruna Souza, Carolina Petry, Mariana Melleu e Tábata Machado, ao longo do segundo semestre de 2010.
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